MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL ENTRA COM AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA BANCO BRADESCO EM TARAUACÁ

Promotor Flávio Bussab Della Líbera
Após receber inúmeras reclamações do atendimento realizado pelo Banco Bradesco. S.A. na cidade de Tarauacá, o Ministério Público Estadual, através do Promotor de Justiça Flávio Bussab Della Líbera, instaurou Ação Civil Pública para apurar fatos e pedir reestruturação do banco, em função do desrespeito total em face dos usuários desta entidade bancária, por não dispor de condições mínimas de funcionamento.


As maiores reclamações dos beneficiários referem-se à injustificada demora para receber o pagamento do mês, mesmo que o crédito esteja disponível no sistema para saque, e o não fornecimento de cartão magnético para facilitar os saques, ocasionando sérios prejuízos, especialmente àqueles residentes em comunidades de difícil acesso com viagem fluvial, que duram de 2 a 4 dias, e são obrigados a pernoitar em embarcações para realizar o saque do benefício. A intenção do promotor é fazer com que o banco possa se estruturar e fornecer um serviço digno a seus usuários.

Vereadora Janaina Furtado
A vereadora Janaina Furtado (Rede Sustentabilidade), umas das responsáveis por diversas denúncias, disse que espera que o juiz atenda o pedido do Ministério Público. 

Vereadora Janaina Furtado
"O município de Tarauacá inteiro sabe do sofrimento e da humilhação por que passam os clientes, em sua maioria pobres beneficiários de programas sociais do Governo Federal e aposentados pelo INSS. Eu sabia que um dia isso ia ter um fim. Minha luta não foi em vão. Ou o banco se estrutura ou não vai mais poder atuar nesse sentido. Parabéns ao Ministério Público Estadual pela ação", destacou a vereadora. 

Agencia Local do Bradesco
Por fim, para que a medida possa surtir os efeitos desejados, e assim evitar mais danos aos consumidores, necessário se faz a fixação de multa para o caso de descumprimento da ordem judicial, conforme previsto nos artigos 499 do Código de Processo Civil de 2015 e 84, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor.

Diante de tudo que foi exposto, requer:

1. Concessão dos efeitos da tutela antecipatória para, com fundamento no art. 300 do CPC, determinar:

1.1 a suspensão de qualquer pagamento proveniente do INSS pelo Banco Bradesco até sua efetiva e comprovada reestruturação em nível de Agência Bancária, com condições adequadas de funcionamento, de modo a atender toda a população local com dignidade, com disposição de estrutura física e de pessoal;

1.2. a aplicação de multa diária, no valor de R$ 2000,00 (dois mil) reais, em caso de descumprimento da r. decisão, a ser lançado e deduzido do valor que envolve a demanda, até que a r. ordem judicial seja integralmente cumprida pelo requerido, a qual deverá ser revertida em favor do Fundo Especial do Ministério Público do Estado do Acre.

2. A confirmação dos efeitos da tutela antecipada para que o BANCO BRADESCO S.A. proceda a sua reestruturação no Município de Tarauacá, em nível de Agência Bancária, no prazo de 60 (sessenta) dias, com condições adequadas de funcionamento, de modo a atender toda a população local com dignidade, com disposição de estrutura física e de pessoal, devidamente comprovados por meio de relatório técnico fotográfico.

3. A condenação a título de danos morais coletivos, no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a ser recolhido no Fundo do Especial do Ministério Público do Estado do Acre.

4. Citação da Ré para responder a presente ação, sob pena de ser-lhes aplicada a pena de revelia e consequente confissão acerca dos fatos apresentados.

5. A publicação de edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, nos termos do art. 94 da Lei nº 8.078/90, com ampla divulgação pelos meios de comunicação social;

6. A condenação da ré ao pagamento de todas as custas processuais;

7. A dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos pelo autor, desde logo, em face do previsto no artigo 18 da Lei nº 7.347/85 e no art. 87 da Lei nº 8.078/90;

8. Sejam as intimações do autor feitas pessoalmente, em razão do disposto no art. 236, § 2º, do Código de Processo;


O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ACRE, por intermédio do Promotor de Justiça signatário, no uso de suas atribuições legais e constitucionais e cumprindo sua função institucional de zelar pela defesa dos interesses individuais homogêneos, diante do art. 5°, inciso XXXII, do art. 127 e art. 129, incisos II e III, ambos da Constituição Federal; art. 42, inciso VI, alínea “a”, da Lei Complementar Estadual n.º 291/2014; art. 1º, incisos II e IV, art. 3º, art. 5º, art. 11 e art. 21, todos da Lei 7.347/85; e art. 82, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, vem à presença de Vossa Excelência propor a presente.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA C/C PEDIDO DE DANO MORAL COLETIVO

Em face do BANCO BRADESCO S.A., com sede na Cidade de Deus, s/nº, Vila Yara, Cidade de Osasco, Estado de São Paulo, inscrito no CNPJ/MF sob o nº 60.746.948/0001-12, NIRE 35.300.027.795, em razão dos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos:

1- DOS FATOS

Por intermédio da presente Ação Civil Pública, pretende o Ministério Público do Estado do Acre ver reconhecida a necessidade de reestruturação do Banco Bradesco S.A na Cidade de Tarauacá, em função do desrespeito total em face dos usuários desta entidade bancária, por não dispor de condições mínimas de funcionamento, tudo em obséquio à força normativa

da Constituição e da máxima efetividade das normas constitucionais e infraconstitucionais.

Em meados do ano de 2015, compareceu a esta Promotoria de Justiça Cível de Tarauacá um munícipe reclamando da falta de valores para saque, superlotação na agência do referido banco, além de outros problemas relacionados a atendimento.

No mesmo ano, foi divulgada no blog local de grande circulação, Blog do Accioly, a notícia titulada como: “Atendimento no Bradesco humilha aposentados e pensionistas e chama atenção das autoridades para um problema que se arrasta há anos”. Consta do noticiado que, por dias, clientes do Banco Bradesco, em Tarauacá, aglomeram-se em frente à agência, na rua e em pé, esperando cerca de 2h a 3h para atendimento, posto que a agência não dispõe de condições mínimas de estrutura física e de pessoal, contando com um atendente e uma sala pequena para atendimento, com pouquíssimos assentos.

No âmbito da Promotoria de Justiça Cível de Tarauacá/AC foi instaurada a Notícia de Fato n.º 01.2015.00000381-1 no intuito de proceder às apurações preliminares acerca do delatado.

No ano de 2015, compareceu o gerente interino do posto de atendimento do Bradesco nesta cidade de Tarauacá/AC, o Sr. Ozias Leite Pereira, que foi ouvido informalmente e quando questionado acerca da qualidade no atendimento no PA, esclareceu que o PA foi projetado para atender em dias normais 30 pessoas por cada período do dia e que a superlotação estava acontecendo em função da calamidade pública e a autorização do INSS em antecipar um benefício previdenciário mensal, para todos os atingidos ou não pela alagação, com possibilidade de parcelamento em 36 vezes, além disso, apontou que aconteceram situações específicas que geraram tal situação, tal como pedido de demissão do gerente anterior. 

No âmbito do Ministério Público Federal foi instaurado o Inquérito Civil n.º 1.10.001.000040/2014-53, com o mesmo objeto, qual seja, reclamações acerca do atendimento ineficiente nos locais de atendimentos do Bradesco na Cidade de Tarauacá, falta de dinheiro, de estrutura e pessoal reduzido.

Inúmeras declarações foram colhidas ainda no ano de 2014, por meio das quais os usuários são uníssonos em afirmar que demoram dias para conseguir sacar seus benefícios.

No dia 08/09/2014, atendendo determinação do Promotor de Justiça oficiante à época, o servidor ministerial elaborou um relatório fotográfico, por meio do qual presenciou várias pessoas aguardando as portasse abrirem às 10h de um dia útil e aquele posto de atendimento ainda estava fechado. Constatou-se que o caixa eletrônico não estava efetuando saques, tornando-se cristalina a necessidade de intervenção no intuito de resguardar os direitos fundamentais dos usuários daquela instituição bancária.

Nos autos do Inquérito Civil, consta a cópia do Contrato de Prestação de Serviços de Processamento e Pagamento de Benefícios firmado entre o INSS e a Rede Bancária Bradesco S/A..

De acordo com o contrato, verifica-se a exigência de atendimento a determinado padrão de qualidade a que as instituições bancárias devem atender, quais sejam:

1. Quando necessário e a critério da CONTRATADA, antecipar em até 2h a abertura da agência, para o atendimento exclusivo dos beneficiários do INSS, afixando ainda, cartaz indicando o horário de abertura da agência;

2. Alocar número de caixas e/ou terminais de autoatendimento suficientes em razão da quantidade de pagamentos a realizar no período previsto, a fim de que o tempo médio para o atendimento dos segurados seja mantido dentro do estabelecido pela legislação municipal vigente e onde não houver legislação definida, o tempo médio de atendimento deverá ser no máximo de 30 minutos;

3. Dar a opção ao segurado de sacar seu benefício onde desejar, ou seja, no caixa, nas salas de autoatendimento ou nos correspondentes bancários;

4. Acompanhar o fluxo do atendimento pelas gerências visando a agilização;

5. Suprir todas as agências, postos e correspondentes bancários de numerários, com antecedência, a fim de evitar atrasos e interrupções no pagamento dos segurados.

Como se denota, existe um contrato firmado entre o INSS e o Bradesco para pagamento de benefício previdenciário, no entanto, está havendo inobservância de cláusula contratual pelo Bradesco, de modo que os serviços prestados pela instituição bancária não estão no padrão de qualidade de atendimento adequado.

No ano de 2016, conforme informações do Chefe de serviços de benefícios do INSS persistiam as mesmas reclamações quanto à prestação de serviços bancários por parte do Bradesco e nos estabelecimentos bancários correspondentes, ainda, persistia a falta de numerário para efetuar pagamentos, até a presente data constatado, além de inexistir estrutura para recepcionar os usuários dos serviços.

As reclamações dos beneficiários referem-se à injustificada demora para receber o pagamento do mês, mesmo que o crédito esteja disponível no sistema para saque, e o não fornecimento de cartão magnético para facilitar os saques, ocasionando sérios prejuízos, especialmente àqueles residentes em comunidades de difícil acesso com viagem fluvial, que duram de 2 a 4 dias, e são obrigados a pernoitar em embarcações para realizar o saque do benefício.

O Ofício n. 90/2016/PRM/CZS-TPC-1ºOfício, datado de 04/03/2016, do MPF, requisitou informações do Bradesco acerca das representações apresentadas. Como resposta, a instituição bancária informou que todas as reclamações recepcionadas foram devidamente regularizadas e deram por origem fatos comuns, como eventuais manutenções nos caixas eletrônicos, sendo sanadas o mais breve possível, devido a logística da Comarca, além disso, aduziu, ainda, que o Banco Bradesco conta com diversos canais de atendimento, tais como “net empresa”, “internet banking” e o “fone fácil”.

No dia 31/03/2017, na sede da Promotoria de Justiça de Tarauacá, compareceram alguns munícipes, juntamente com uma autoridade local para realizar uma discussão acerca do atendimento no Banco do Bradesco de Tarauacá, aduzindo persistir a falta de numerário para o pagamento dos beneficiários do INSS.

Na oportunidade, apresentaram um relatório fotográfico, anexo, por meio do qual resta totalmente explícita a situação a que estão expostos os usuários do Banco do Bradesco na Comarca de Tarauacá, o que requer resolução imediata, posto que direitos fundamentais, inclusive a dignidade humana vêm sendo frontalmente desrespeitados.

Consta do relatório que a situação se agrava com o passar dos dias, in verbis:

“Nada mais me surpreende. A cada dia só piora o desrespeito do Bradesco/Tarauacá com seus clientes. São idosos, mulheres grávidas, mulheres com crianças de colo, deficientes, trabalhadores rurais que enfrentam uma verdadeira jornada em busca de receber seus benefícios financeiros. São financiamentos, salários-maternidade, auxílio doença e outros serviços que muitos procuram e são humilhados pela situação que enfrentam para receber o que lhe é de direito.”

“E como se isso já não fosse suficiente, esse problema também acontece no município vizinho, fazendo com que os moradores daquele Município sejam encaminhados para Tarauacá.”

As deficiências da unidade de atendimento do Bradesco no Município de Tarauacá são de conhecimento público, a necessidade de instalação de uma agência com estrutura contendo caixas eletrônicos, caixas convencionais, gerência administrativa, estrutura funcional com bancos, tempo de atendimento reduzido, disponibilidade de moeda para saque são urgentes, não cabendo argumentação no sentido de que um internet banking resolve o

problema, ou mesmo uma simples unidade de atendimento. 

Os Bancos Caixa Econômica, Banco do Brasil e Banco da Amazônia existentes no Município de Tarauacá dispõem de agências bancárias, que mesmo estando longe do ideal, atendem a contento e tratam com dignidade seus clientes, diferentemente do requerido.

É necessária uma intervenção urgente do Poder Judiciário no intuito de garantir o mínimo de dignidade à população local, em especial, a população hipossuficiente, que têm que se alojar em canoas e cooperativas, peregrinando por dias, para sacar seu padecido salário, que na maioria dos casos já está comprometido no momento do recebimento.

2. DOS DIREITOS

Introdutoriamente, convém analisar a aplicabilidade das disposições do Código de Defesa do Consumidor as instituições financeiras, conforme prescreve o CDC no seu art. 3º e § 2º:

In verbis:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. 

A princípio, cabe lembrar que, em sendo o Banco do Bradesco instituição financeira com personalidade jurídica de direito privado e sociedade anônima de capital aberto, regulada pelo BACEN, aplica-se sobre esta o entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal acerca da incidência das normas do Código de Defesa do Consumidor às Instituições Financeiras:

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC]. MOEDA E TAXA DE JUROS. DEVERPODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. (STF ADI 2591-DF, Relator. MINISTRO CARLOS VELLOSO, TRIBUNAL PLENO, julgado em

06/06/2006, D.J. 29/09/2006).
Nesse sentido, as instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor, eis que "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, “é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito.” 

O preceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado em coerência com a Constituição, o que importa em que o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras na exploração da intermediação de dinheiro na economia estejam excluídas da sua abrangência.

Corroborando com o entendimento do STF, o Superior Tribunal de Justiça, por meio da edição da Súmula 297, consolidou o entendimento que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às Instituições Financeiras.”.

A doutrina e jurisprudência sempre travaram calorosos debates acerca da aplicação do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, principalmente pelo fato das operações bancárias consubstanciarem-se em típicos contratos de adesão.

Sabe-se que os pactos de adesão são os modelos preferidos pelas instituições financeiras, em face do dinamismo do mercado e do crescente índice de consumo, quando as empresas buscam meio prático e ágil para o fechamento de suas operações. 

Sendo assim, especificamente, dúvidas não restam quanto à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações decorrentes de operações com instituições financeiras.

Em sua doutrina, NELSON NERY JÚNIOR1, leciona:

"O aspecto central da problemática da consideração das atividades bancárias como sendo relações jurídicas de consumo reside na finalidade dos contratos realizados com os bancos. 

Havendo a outorga do dinheiro ou do crédito para que o devedor o utilize como destinatário final, há a relação de consumo que enseja a aplicação dos dispositivos do CDC.

Caso o devedor tome o dinheiro ou crédito emprestado do banco para repassá-lo, não será destinatário final e portanto não há que se falar em relação de consumo. Como as regras normais de experiência nos dão conta de que a pessoa física que empresta dinheiro ou toma crédito de banco o faz para sua utilização pessoal, como destinatário final, existe aqui uma presunção hominis, juris tantum de que se trata de relação de consumo, quer dizer, de que o dinheiro será destinado ao consumo. O ônus de provar o contrário, ou seja, que o dinheiro ou o crédito tomado pela pessoa física não foi destinado ao uso final do devedor, é do banco, quer porque se trata de presunção a favor do mutuário ou creditado, quer porque poderá incidir no art. 6º, VIII, do CDC, com a inversão do ônus da prova a favor do consumidor (...) O art. 52 do CDC, a seu turno, confirma as disposições do art. 3º, § 2º, quando estipula regra sobre os créditos e financiamentos ao consumidor, não deixando dúvidas sobre a inclusão dessas atividades em sua sistemática."

Ora Excelência, os serviços bancários são inegavelmente serviços essenciais. A forma como o Bradesco vem prestando os serviços bancários nesta cidade, de forma ofensiva ao princípio da dignidade humana, desrespeita os direitos basilares dos consumidores usuários destes serviços necessários cotidianamente.

Sabe-se que a requerida, como qualquer empresa, possui a liberdade, por meio da livre iniciativa, de escolher prestar ou não seus serviços em determinada localidade. Todavia, tal liberdade não deve ser irrestrita a ponto de se sobrepor aos direitos dos consumidores, de igual forma garantidos pela Constituição Federal, de modo a ser da forma que a empresa deseja, sem atendimento a regras mínimas de funcionamento.

A Lei n° 8.078/1990 define, ao longo de seu art. 6°, os direitos básicos do consumidor, dentre os quais são destacados:

I a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

[...]

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

[...]

X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

Desta forma, o serviço público bancário deve se pautar pelo princípio da eficiência. É o que se denota do disposto no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988: “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]”. 

É sabido que o fornecedor responde de forma objetiva pelos danos causados ao consumidor em decorrência de vício no produto ou serviço. Tal premissa está consubstanciada no artigo 14 do CDC.

Ademais, prevê o artigo 20, parágrafo 2º, do Código de Defesa do consumidor, que o serviço é impróprio quando não atende as necessidades almejadas pelo consumidor, ipso literis:

Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

[...]

§ 2° São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade. Além disso, a Constituição Federal de 1988 alçou o direito à reparação do dano moral à categoria de direito fundamental, previsto no próprio artigo 5º da Carta Magna em dois de seus incisos:

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

O Código Civil de 2002, por sua vez, assevera que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (art. 186). Esse dispositivo encontra complemento na seara da responsabilidade civil no art. 927, no qual é estabelecido que o cometimento de ato ilícito, nos termos dos arts. 186 e 187, gera a obrigação de repará-lo. 

Segundo a doutrina e jurisprudência, constitui dano moral coletivo a lesão a interesses metaindividuais, tais como: publicidade enganosa, publicidade abusiva, acidentes de consumo, o dano ambiental, fornecimento de serviço desumano, etc.

No presente caso, verifica-se a ofensa à coletividade local dos consumidores, atingida frontalmente pela conduta do Banco Bradesco S.A, posto que este, mesmo obtendo lucros com seus clientes, inclusive beneficiários do INSS, não estrutura sua Unidade de Atendimento, deixando seus clientes expostos a sol, chuva e ao escárnio de dias sem conseguir sacar um recurso que lhe pertence.

O dano moral coletivo não leva em conta apenas os aspectos “dor e constrangimento” resultantes da violação do Princípio da Dignidade Humana, para reparar o bem difuso. A imposição do dever de reparar tem cunho não apenas preventivo e/ou punitivo, mas também caráter pedagógico e reparador. Não se pode ignorar a premissa de que também a comunidade sofre os efeitos de um dano extrapatrimonial, e, assim sendo, deve haver efetiva proteção coletiva assegurada pela norma fundamental do 

ordenamento jurídico brasileiro.

Da análise da documentação anexa, inclusive do relatório fotográfico, não restam dúvidas quanto ao dano moral coletivo, o que requer reparação por parte do causador do dano, qual seja, a instituição Bancária Bradesco S/A.

Uma vez evidenciado o dano moral coletivo, resta agora quantificar o valor da condenação a título de compensação, tarefa tormentosa entre os operadores do direito, mas que a jurisprudência cuidou de tratar, estabelecendo critérios para tanto, quais sejam, a extensão do dano, as condições socioeconômicas e culturais dos envolvidos, o grau de culpa do agente, de terceiro ou da vítima.

Tendo em vista que o Banco Bradesco é uma das maiores instituições bancárias do Brasil, e considerando a quantidade de clientes atendidos nesse Município, este Parquet considera justa e clara a fixação dos danos morais em no mínimo R$ 100.000,00 (cem mil reais).

VI. DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA 

Dispõe o parágrafo 3º do artigo 84 do CDC que, “sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu”.

O dispositivo supramencionado cuida da concessão de tutela liminar para garantir a total satisfação do direito do consumidor nos casos em que a espera pelo provimento final da demanda interfere de forma negativa.

No caso de ações coletivas de consumo, a urgência decorre da própria mecânica do mercado de consumo e da assimetria entre os ciclos jurídicos e comerciais. Aquele, fundado na segurança jurídica, este, na necessidade de estar sempre à frente da concorrência. Nesse contexto de disparidade, a demora da resolução da demanda (sem a concessão de liminar) normalmente leva a perda do objeto pela superação da prática atacada em razão da descrença no efetivo poder de atuação das instituições brasileiras.

Trata-se, portanto, de verdadeira antecipação de tutela, logo, deve o dispositivo ora em comento ser interpretado em harmonia com o artigo 300, do Novo Código de Processo Civil que trata do assunto de forma geral.

O artigo 300, do CPC de 2015, determina para que seja concedida a tutela de urgência, exista elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. A referida tutela poderá ser concedida liminarmente ou após justificação prévia, sendo que a tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida caso exista perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. 

A probabilidade do direito decorre da violação dos direitos do consumidor, conforme a interpretação do conceito de vício, qual seja inadequação do serviço aos fins a que se destina e às expectativas legítimas do consumidor, a simples imprestabilidade do serviço caracteriza o vício, bem como da vedação das práticas abusivas do fornecedor de serviço público bancário, dificultando o acesso a um serviço essencial.

O perigo de dano, na realidade, consiste na manutenção do serviço prestado pelo Bradesco tal qual está sendo prestado no Município de Tarauacá por mais tempo.

E com a concessão da tutela que ora se pretende antecipar, conforme acima citado, essa não será injusta, tampouco capaz de acarretar qualquer dano a parte ré, visto que, se pretende proteger com esta medida, a dignidade humana, essencialmente de pessoas hipossuficientes, sendo estes a parte mais vulnerável na relação de consumo.

Isto porque, a antecipação dos efeitos da tutela aqui pretendida consiste em obrigação de fazer, de comprometer-se em reestruturar a Unidade de Atendimento do Bradesco, de modo que passe a funcionar como Agência Bancária, oferecendo serviços plenos, estrutura física e de pessoal, capaz de atender toda a população local, urbana e rural, inclusive portadores de necessidades especiais, dando plena acessibilidade aos cidadãos.

Por fim, para que a medida possa surtir os efeitos desejados, e assim evitar mais danos aos consumidores, necessário se faz a fixação de multa para o caso de descumprimento da ordem judicial, conforme previsto nos artigos 499 do Código de Processo Civil de 2015 e 84, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor.

VII. DOS PEDIDOS

Diante de tudo que foi exposto, requer:

1. Concessão dos efeitos da tutela antecipatória para, com fundamento no art. 300 do CPC, determinar: 

1.1 a suspensão de qualquer pagamento proveniente do INSS pelo Banco Bradesco até sua efetiva e comprovada reestruturação em nível de Agência Bancária, com condições adequadas de funcionamento, de modo a atender toda a população local com dignidade, com disposição de estrutura física e de pessoal;

1.2. a aplicação de multa diária, no valor de R$ 2000,00 (dois mil) reais, em caso de descumprimento da r. decisão, a ser lançado e deduzido do valor que envolve a demanda, até que a r. ordem judicial seja integralmente cumprida pelo requerido, a qual deverá ser revertida em favor do Fundo Especial do Ministério Público do Estado do Acre.

2. A confirmação dos efeitos da tutela antecipada para que o BANCO BRADESCO S.A. proceda a sua reestruturação no Município de Tarauacá, em nível de Agência Bancária, no prazo de 60 (sessenta) dias, com condições adequadas de funcionamento, de modo a atender toda a população local com dignidade, com disposição de estrutura física e de pessoal, devidamente comprovados por meio de relatório técnico fotográfico.

3. A condenação a título de danos morais coletivos, no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a ser recolhido no Fundo do Especial do Ministério Público do Estado do Acre. 

4. Citação da Ré para responder a presente ação, sob pena de ser-lhes aplicada a pena de revelia e consequente confissão acerca dos fatos apresentados.

5. A publicação de edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, nos termos do art. 94 da Lei nº 8.078/90, com ampla divulgação pelos meios de comunicação social;

6. A condenação da ré ao pagamento de todas as custas processuais;

7. A dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos pelo autor, desde logo, em face do previsto no artigo 18 da Lei nº 7.347/85 e no art. 87 da Lei nº 8.078/90; 

9. Sejam as intimações do autor feitas pessoalmente, em razão do disposto no art. 236, § 2º, do Código de Processo;

Protesta o Ministério Público Estadual, nos termos do artigo 332 do Código de Processo Civil, pela produção de todas as provas que se fizerem necessárias no decorrer do processo, notadamente a documental relacionada às vendas/cessões de cotas mencionadas nas fls. 16/17 desta Ação Civil Pública , sob pena de confissão. 

Dá-se a esta causa o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

De tudo, pede Deferimento.

Tarauacá-Acre, 18/01/2018.

Flávio Bussab Della Líbera
Promotor de Justiça

(Assessoria Parlamentar)

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